Segue abaixo um texto muito interessante sobre o trânsito de São Paulo. São relatos de um cidadão que "tenta" se deslocar no caos da cidade mais "movimentada" do país. (Fonte, O Eco, fev/13)
Cena 1 - Metrô de São Paulo, Estação da Sé, 17h. Com uma corda na mão, um dos funcionários responsáveis por organizar a multidão separa a próxima leva a ocupar a área de embarque. É tanta gente que, para ajudar a administrar o fluxo, foram instaladas grades de ferro. O trem para e, com cotovelos, empurrões e muito aperto, uma leva entra. Sobram rostos apertados contra o vidro quando a porta fecha. Nem todos conseguem embarcar e, quem ficou no cercadinho, pelo menos consegue garantir um espaço perto da porta para ser tragado pelo próximo vagão que parar. O fiscal mais próximo sua. Uma senhora tenta fragilmente avançar na gaiola. Ninguém se mexe. Ninguém consegue se mexer. Até chegar o trem seguinte.
Foto: Felipe Borges
Cena 2 - Avenida Doutor Arnaldo, 9h, dia de chuva. O vidro do ônibus parece mais grosso, o vapor quente e abafado gruda na janela feito cola velha. O cheiro de suor se mistura com um perfume doce demais e o cheiro de goiaba da sacola da moça da frente; a manhã é quente demais, mesmo com o temporal lá fora. De dentro, dá para ver o próximo grupo de passageiros. As pessoas se acumulam no ponto de ônibus, em uma crescente de guarda-chuvas e calças molhadas. É preciso equilíbrio e cuidado para não molhar e não ser molhado com o entra-e-sai constante de gente e respingos. Tudo é apertado. Do lado de fora, carros vazios com motoristas cansados. O trânsito trava. Ninguém se mexe.
Cena 3 - Rua Apinagés, 18h30, dia de muita chuva. A pé, é difícil cruzar alguns trechos. A rua é íngrime e a velocidade da água assusta. São poças que viram correntes, que quase viram rios. Mesmo na ladeira, a corredeira chega na canela. É preciso atenção com possíveis bueiros abertos ou com objetos levados. O temporal é lindo de ver. No começo, as gotas são como milhares de agulhas, uma explosão de sensações nervosas e frio. Depois que a pele acostuma, a constante é até agradável. As poucas árvores do caminho estão sobrecarregadas de água. Não dá para ver grama ou canteiros, é só asfalto. Casas ameaçam alagar, moradores improvisam sacos para conter a enxurrada e motoristas hesitam antes de cruzar as ruas-rios. Asfalto demais. Um motorista avança e levanta água em três moças desajeitadas, dividindo a breve cobertura de um sobrado. Molhadas, elas soltam um palavrão.
Cena 4 - Metrô de São Paulo, Linha Amarela, manhã. Formigas. Ou gado. Do embarque na Estação Pinheiros até o desembarque na confusa e tumultuada Estação Consolação (ou Estação Paulista?), não dá para decidir se fomos todos transformados em formigas ou gado. A Estação Pinheiros parece um formigueiro. É um buraco profundo, com escadas prolongadas subindo e descendo, com gente-formiga subindo e descendo sem parar. Filas de formigas. Na Paulista (ou Consolação?), o povo se transforma em manada, seguindo caminhos com cercas, sem opção, sujeitos ao ritmo dos demais. É um caminhar constante, reto, seco. E perigoso, sujeito a um estouro como todo estouro de manada. Sensação de claustrofobia, vontade de sair daquele conjunto de passadas constantes. Gente demais. Todos se mexem. Mas ninguém se mexe.
Reflexão:
(Dados e indicadores retirados do Caderno Amanhã, do Jornal O Globo, de 29/01/13).
Em 2010, foi constatado pelo censo do IBGE,
que cerca de 40% das residências brasileiras possuem um automóvel. Isto
significa um aumento de 122% da frota de veículos em apenas uma década,
enquanto que a população cresceu apenas 12%. Mais do que as indústrias, os
veículos automotores, principalmente os carros, emitem 77% do total de gases de
efeito estufa (GEE).
Para se ter uma ideia, aqui no Rio, a Avenida
Brasil, uma das principais vias de acesso da cidade, é responsável por
aproximadamente 25 a 30% dos poluentes emitidos na atmosfera. Dentre estes
gases tóxicos, estão o monóxido de carbono, que afeta a capacidade do sangue de
transportar oxigênio; os hidrocarbonetos que podem provocar câncer; os óxidos
de nitrogênio, que estão associados à produção de ozônio e que é um poderoso
irritante; os óxidos de enxofre que causam problemas respiratórios; e material
particulado que agravam o efeito de outras substâncias. Em termos de prejuízos,
somente em São Paulo, somando-se engarrafamento, poluição e as doenças advindas
destes problemas, os custos ultrapassam R$ 26 bilhões por ano.
Contudo, o governo brasileiro ainda incentiva
a compra de carros com a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)
– que é um modo pra lá de
ultrapassado de movimentar a economia estimulando o consumo – , além de
subsidiar a gasolina, o que está levando a Petrobras a ter um imenso prejuízo,
pois ela importa combustível a um preço mais caro do que pode vender aqui, no
mercado nacional. Além disso, em virtude do preço baixo da gasolina, o etanol
está deixando de ser competitivo, fazendo com o consumidor opte pelo
combustível fóssil em vez do renovável.
Por outro lado, o
transporte público padece… os investimentos não estão sendo grandes o suficiente
para cobrir a demanda. Em geral, o que se vê são carros vazios, com apenas o
motorista, e as conduções super lotadas. As estatísticas comprovam: enquanto
que a extensão do metrô brasileiro cresceu 26,5% em dez anos (de 1999 a 2009),
o volume de passageiros aumentou 55%. Em relação aos trens suburbanos, sua
quantidade aumentou apenas 8% e o número de passageiros cresceu cerca de 150%. E
em relação às emissões de GEE emitidas somente pelos automóveis, houve um
aumento de aproximadamente 86% entre 2002 e 2012.
Dados da ONG Iniciativa Verde informam que se todos os automóveis fossem enfileirados, seria possível
dar quatro voltas na Terra, o que formaria uma fila de 170 mil quilômetros de
comprimento. E para fazer uma compensação das emissões apenas da frota nacional
de carros em um ano, seria preciso plantar 233 milhões de árvores!
Se os transportes
públicos atendessem a demanda de passageiros com eficiência e não houvesse
incentivos fiscais do governo para a compra de automóveis e subsídios à
gasolina, estaríamos respirando melhor, os gastos em saúde diminuiriam e
poderíamos contribuir menos com a emissão de GEE, mitigando os efeitos do
aquecimento global. É necessária e urgente a criação e a implementação de
políticas públicas que priorizem todos estes aspectos!
Entretanto, felizmente,
algumas coisas boas estão sendo criadas, como a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/12), a qual lançou objetivos, princípios e diretrizes que
visam, dentre outras questões, a
acessibilidade universal, o desenvolvimento sustentável das cidades, a
equidade, a segurança e a eficiência no acesso dos cidadãos ao transporte
público coletivo.
Outra maneira de mitigar
um pouco o impacto ambiental produzido pelos automóveis foi a criação do
Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular. Embora seja ainda voluntário, 27
marcas estão participando, fornecendo dados sobre a eficiência dos seus carros,
como o rendimento do veículo em quilômetros por litro, e agora, a partir deste
ano, será possível saber também sobre o nível de emissão de CO2. Estas
informações são transmitidas de acordo com suas etiquetas que vão de “A” a “E”,
como já acontece com os eletrodomésticos.
A etiquetagem veicular e
a fabricação de carros mais eficientes já ajudam, mas não acabam com o
problema, em razão do excesso de
automóveis nas ruas que circulam diariamente. O ideal seria que o carro
particular fosse utilizado somente nos fins de semana, para o lazer e não para
o dia-a-dia. E que todos os cidadãos pudessem usar os transportes públicos para
sua movimentação diária de casa para o trabalho e vice e versa de forma
confortável e eficiente. Mas para que isso aconteça é necessário um esforço
conjunto do governo, das empresas
e da sociedade civil. Do governo, a efetiva aplicação da lei da mobilidade
urbana que acaba de ser criada, promovendo maiores investimentos nos
transportes públicos, na construção de ciclovias e no incentivo à programas de
educação ambiental, que informem a população sobre todos os malefícios causados
pelo excesso de carros e estimulem cada vez mais as caminhadas e a utilização
de bicicletas e transportes públicos. Mas para que as pessoas possam aderir a
esta campanha é primordial o investimento do governo em todas estas questões.
Não menos importante é o incentivo à pesquisas e programas de energias
renováveis que são alternativas menos poluentes. Dos fabricantes de automóveis,
espera-se a busca de uma maior eficiência e a aplicação de novas tecnologias
que permitam a emissão de menos gases que poluem a atmosfera e que contribuem
para o agravamento do aquecimento global. E, por fim, o que se espera de nós,
cidadãos comuns, é que estejamos cada vez mais informados, conscientizados e
engajados na construção de um mundo melhor para todos, incluindo nossos filhos
e netos. Para isso, cada um deve fazer a sua parte, tentando se informar e
passar esta informação adiante, consumir com responsabilidade, votar
consciente e cobrar de quem votamos. Somente com a formação de uma grande rede
em prol da sustentabilidade poderemos enfrentar a maior crise que a humanidade
já viveu, e para que isso aconteça, precisamos da participação de cada um de
nós!
Jackie Gaia