sábado, 23 de fevereiro de 2013

É preciso ter MOBILIDADE URBANA para se criar uma CIDADE SUSTENTÁVEL

Segue abaixo um texto muito interessante sobre o trânsito de São Paulo. São relatos de um cidadão que "tenta" se deslocar no caos da cidade mais "movimentada" do país. (Fonte, O Eco, fev/13)


Cena 1 - Metrô de São Paulo, Estação da Sé, 17h
. Com uma corda na mão, um dos funcionários responsáveis por organizar a multidão separa a próxima leva a ocupar a área de embarque. É tanta gente que, para ajudar a administrar o fluxo, foram instaladas grades de ferro. O trem para e, com cotovelos, empurrões e muito aperto, uma leva entra. Sobram rostos apertados contra o vidro quando a porta fecha. Nem todos conseguem embarcar e, quem ficou no cercadinho, pelo menos consegue garantir um espaço perto da porta para ser tragado pelo próximo vagão que parar. O fiscal mais próximo sua. Uma senhora tenta fragilmente avançar na gaiola. Ninguém se mexe. Ninguém consegue se mexer. Até chegar o trem seguinte.


Foto: Felipe Borges

Cena 2 - Avenida Doutor Arnaldo, 9h, dia de chuva. 
O vidro do ônibus parece mais grosso, o vapor quente e abafado gruda na janela feito cola velha. O cheiro de suor se mistura com um perfume doce demais e o cheiro de goiaba da sacola da moça da frente; a manhã é quente demais, mesmo com o temporal lá fora. De dentro, dá para ver o próximo grupo de passageiros. As pessoas se acumulam no ponto de ônibus, em uma crescente de guarda-chuvas e calças molhadas. É preciso equilíbrio e cuidado para não molhar e não ser molhado com o entra-e-sai constante de gente e respingos. Tudo é apertado. Do lado de fora, carros vazios com motoristas cansados. O trânsito trava. Ninguém se mexe.

Cena 3 - Rua Apinagés, 18h30, dia de muita chuva. A pé, é difícil cruzar alguns trechos. A rua é íngrime e a velocidade da água assusta. São poças que viram correntes, que quase viram rios. Mesmo na ladeira, a corredeira chega na canela. É preciso atenção com possíveis bueiros abertos ou com objetos levados. O temporal é lindo de ver. No começo, as gotas são como milhares de agulhas, uma explosão de sensações nervosas e frio. Depois que a pele acostuma, a constante é até agradável. As poucas árvores do caminho estão sobrecarregadas de água. Não dá para ver grama ou canteiros, é só asfalto. Casas ameaçam alagar, moradores improvisam sacos para conter a enxurrada e motoristas hesitam antes de cruzar as ruas-rios. Asfalto demais. Um motorista avança e levanta água em três moças desajeitadas, dividindo a breve cobertura de um sobrado. Molhadas, elas soltam um palavrão.

Cena 4 - Metrô de São Paulo, Linha Amarela, manhã. Formigas. Ou gado. Do embarque na Estação Pinheiros até o desembarque na confusa e tumultuada Estação Consolação (ou Estação Paulista?), não dá para decidir se fomos todos transformados em formigas ou gado. A Estação Pinheiros parece um formigueiro. É um buraco profundo, com escadas prolongadas subindo e descendo, com gente-formiga subindo e descendo sem parar. Filas de formigas. Na Paulista (ou Consolação?), o povo se transforma em manada, seguindo caminhos com cercas, sem opção, sujeitos ao ritmo dos demais. É um caminhar constante, reto, seco. E perigoso, sujeito a um estouro como todo estouro de manada. Sensação de claustrofobia, vontade de sair daquele conjunto de passadas constantes. Gente demais. Todos se mexem. Mas ninguém se mexe.



Reflexão: 
(Dados e indicadores retirados do Caderno Amanhã, do Jornal O Globo, de 29/01/13).

Em 2010, foi constatado pelo censo do IBGE, que cerca de 40% das residências brasileiras possuem um automóvel. Isto significa um aumento de 122% da frota de veículos em apenas uma década, enquanto que a população cresceu apenas 12%. Mais do que as indústrias, os veículos automotores, principalmente os carros, emitem 77% do total de gases de efeito estufa (GEE). 

Para se ter uma ideia, aqui no Rio, a Avenida Brasil, uma das principais vias de acesso da cidade, é responsável por aproximadamente 25 a 30% dos poluentes emitidos na atmosfera. Dentre estes gases tóxicos, estão o monóxido de carbono, que afeta a capacidade do sangue de transportar oxigênio; os hidrocarbonetos que podem provocar câncer; os óxidos de nitrogênio, que estão associados à produção de ozônio e que é um poderoso irritante; os óxidos de enxofre que causam problemas respiratórios; e material particulado que agravam o efeito de outras substâncias. Em termos de prejuízos, somente em São Paulo, somando-se engarrafamento, poluição e as doenças advindas destes problemas, os custos ultrapassam R$ 26 bilhões por ano.

Contudo, o governo brasileiro ainda incentiva a compra de carros com a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) –  que é um modo pra lá de ultrapassado de movimentar a economia estimulando o consumo – , além de subsidiar a gasolina, o que está levando a Petrobras a ter um imenso prejuízo, pois ela importa combustível a um preço mais caro do que pode vender aqui, no mercado nacional. Além disso, em virtude do preço baixo da gasolina, o etanol está deixando de ser competitivo, fazendo com o consumidor opte pelo combustível fóssil em vez do renovável.

Por outro lado, o transporte público padece… os investimentos não estão sendo grandes o suficiente para cobrir a demanda. Em geral, o que se vê são carros vazios, com apenas o motorista, e as conduções super lotadas. As estatísticas comprovam: enquanto que a extensão do metrô brasileiro cresceu 26,5% em dez anos (de 1999 a 2009), o volume de passageiros aumentou 55%. Em relação aos trens suburbanos, sua quantidade aumentou apenas 8% e o número de passageiros cresceu cerca de 150%. E em relação às emissões de GEE emitidas somente pelos automóveis, houve um aumento de aproximadamente 86% entre 2002 e 2012.

Dados da ONG Iniciativa Verde informam que se todos os automóveis fossem enfileirados, seria possível dar quatro voltas na Terra, o que formaria uma fila de 170 mil quilômetros de comprimento. E para fazer uma compensação das emissões apenas da frota nacional de carros em um ano, seria preciso plantar 233 milhões de árvores!

Se os transportes públicos atendessem a demanda de passageiros com eficiência e não houvesse incentivos fiscais do governo para a compra de automóveis e subsídios à gasolina, estaríamos respirando melhor, os gastos em saúde diminuiriam e poderíamos contribuir menos com a emissão de GEE, mitigando os efeitos do aquecimento global. É necessária e urgente a criação e a implementação de políticas públicas que priorizem todos estes aspectos!

Entretanto, felizmente, algumas coisas boas estão sendo criadas, como a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/12), a qual lançou objetivos, princípios e diretrizes que visam, dentre outras questões,  a acessibilidade universal, o desenvolvimento sustentável das cidades, a equidade, a segurança e a eficiência no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo.

Outra maneira de mitigar um pouco o impacto ambiental produzido pelos automóveis foi a criação do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular. Embora seja ainda voluntário, 27 marcas estão participando, fornecendo dados sobre a eficiência dos seus carros, como o rendimento do veículo em quilômetros por litro, e agora, a partir deste ano, será possível saber também sobre o nível de emissão de CO2. Estas informações são transmitidas de acordo com suas etiquetas que vão de “A” a “E”, como já acontece com os eletrodomésticos.

A etiquetagem veicular e a fabricação de carros mais eficientes já ajudam, mas não acabam com o problema, em razão do excesso de  automóveis nas ruas que circulam diariamente. O ideal seria que o carro particular fosse utilizado somente nos fins de semana, para o lazer e não para o dia-a-dia. E que todos os cidadãos pudessem usar os transportes públicos para sua movimentação diária de casa para o trabalho e vice e versa de forma confortável e eficiente. Mas para que isso aconteça é necessário um esforço conjunto do governo, das  empresas e da sociedade civil. Do governo, a efetiva aplicação da lei da mobilidade urbana que acaba de ser criada, promovendo maiores investimentos nos transportes públicos, na construção de ciclovias e no incentivo à programas de educação ambiental, que informem a população sobre todos os malefícios causados pelo excesso de carros e estimulem cada vez mais as caminhadas e a utilização de bicicletas e transportes públicos. Mas para que as pessoas possam aderir a esta campanha é primordial o investimento do governo em todas estas questões. Não menos importante é o incentivo à pesquisas e programas de energias renováveis que são alternativas menos poluentes. Dos fabricantes de automóveis, espera-se a busca de uma maior eficiência e a aplicação de novas tecnologias que permitam a emissão de menos gases que poluem a atmosfera e que contribuem para o agravamento do aquecimento global. E, por fim, o que se espera de nós, cidadãos comuns, é que estejamos cada vez mais informados, conscientizados e engajados na construção de um mundo melhor para todos, incluindo nossos filhos e netos. Para isso, cada um deve fazer a sua parte, tentando se informar e passar esta informação adiante, consumir com responsabilidade, votar consciente e cobrar de quem votamos. Somente com a formação de uma grande rede em prol da sustentabilidade poderemos enfrentar a maior crise que a humanidade já viveu, e para que isso aconteça, precisamos da participação de cada um de nós!

Jackie Gaia


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