Isso não mudará o mundo, nem deterá a mudança climática, mas tornará
cada vez mais penoso para os governos adiar a inadiável adoção de políticas públicas
e decisões políticas que reduzam o risco que corremos.
A Rio+20 não tinha a ambição de uma COP. Não tinha como objetivo um
acordo global de redução das emissões de gases de efeito estufa. Era mais
modesta e focada. Tentaria definir economia verde, estabelecer objetivos de
desenvolvimento sustentável e decidir como transformar um dos órgãos da ONU na
autoridade ambiental.
Desentendeu-se sobre o que é economia verde, registrou que os países terão
objetivos, mas não definiu metas nem prazos, e apenas fortaleceu o Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
Entre os que disseram que o documento final brasileiro era pouco
ambicioso estavam o presidente da França, da União Europeia e até o secretário-geral
da ONU, Ban Ki-moon, antes de ter sofrido aquela brusca mudança de opinião.
A Rio+20 para mim começou bem antes, quando viajei para preparar matérias
especiais. Na Amazônia, fui a Alta Floresta, que está tentando encontrar o
equilíbrio entre produção e proteção. Não é a única cidade amazônica que está
fazendo isso. Contei a história no domingo passado.
Reencontrei Lélia e Sebastião Salgado com a paixão de sempre pelo
trabalho interminável de refazer a Mata Atlântica na parte que lhes coube. A
fazenda Bulcão, em Aymorés, estava totalmente degradada, com erosões e sem água,
quando eles começaram o trabalho de replantar tudo. Lélia sugeriu plantar uma
floresta.
Foi o princípio. Hoje, eles já contam 1,7 milhão de mudas nativas da
Mata Atlântica plantadas, produziram mais de cinco milhões de mudas e acalantam
o sonho de reflorestar com espécies nativas o enorme vale do Rio Doce.
— É uma área maior do que Portugal, e onde os rios ficarão intermitentes
até 2020. Ou seja, os rios que alimentam o Rio Doce serão secos numa parte do
ano — disse Sebastião Salgado.
O caso de Sebastião e Lélia, que entrevistei para a Globonews, não é o único.
Outros brasileiros devolvem à terra o que foi desmatado no mais ameaçado dos
biomas brasileiros. Desmatada de forma inclemente desde o descobrimento, a Mata
Atlântica perdeu nos últimos 26 anos 1.735.479 hectares de cobertura florestal.
Os 700 hectares da Fazenda Bulcão foram recobertos nos últimos 13 anos,
numa trabalheira sem fim, e hoje Sebastião diz que tem lá uma floresta criança.
A SOS Mata Atlântica calcula que 80% dos remanescentes da Mata Atlântica
estão em propriedades particulares. Só de RPPN (Reserva Particular do Patrimônio
Natural) existem 734, que juntas protegem mais de 136 mil hectares do bioma.
As histórias particulares e os dados agregados não deixam dúvida: a
convicção de cada pessoa pode levá-la à ação, que, na soma, aumenta a chance da
exuberante natureza do Brasil.
Entrevistei Russell Mittermeyer, presidente mundial da Conservação
Internacional. O programa reprisará na Globonews hoje às 10h30m. Depois, estará
no meu blog. Ouvi-lo é um alívio para quem anda aflito com a enorme perda da
biodiversidade brasileira.
Ele é uma lenda na luta pela preservação da biodiversidade do planeta.
Descobriu, ou viu pela primeira vez na natureza, 12 novas espécies, entre elas
seis macacos amazônicos. Russell Mittermeyer vem ao Brasil há 41 anos, todos os
anos. Até agora, já fez 120 viagens ao país. É com base nessa intimidade que
ele se diz, apesar de tudo, um otimista com o Brasil:
— A Mata Atlântica faz parte dos 35 hotspots do planeta, os lugares
prioritários para a conservação, por ter muita diversidade. Tem apenas 7% a 8%
da mata original, mas há todo um grupo enorme de conservacionistas protegendo,
há RPPNs e tem as políticas do governo.
Para se ter uma ideia do valor dos hotspots: esses pontos originalmente
cobriam 16% de toda a área do planeta, mas nos últimos 100 anos perderam 90% da
sua cobertura vegetal:
— Nestes 2,3% de área mundial, há 50% das espécies vegetais, 42% dos
vertebrados, e de 80% a 92% das espécies ameaçadas. Criei o conceito de país
megadiverso. Existem 18 países que concentram dois terços da biodiversidade do
planeta. Nesse grupo, Brasil e Indonésia são os que têm mais biodiversidade. O
Brasil é o país que nos últimos 35 anos mais criou áreas protegidas, desde o
trabalho pioneiro de Paulo Nogueira Neto.
Mittermeyer é primatólogo e o que o atraiu ao Brasil foram os macacos. O
Brasil é o país que tem mais primatas: 135. Entre os que estudou está o
Muriqui, o maior macaco das Américas que vive nos raros fragmentos de Mata Atlântica,
protegida por particulares.
Fatos assim confirmam minha impressão de que a ação individual tem
impacto. O intangível legado da Rio+20 é este. Seus milhares de eventos
paralelos podem ter tocado pessoas. Quem sabe quantas crianças verão o mundo
com outros olhos? E isso pode ser decisivo.
Por Miriam Leitão - fonte: G1 - Coluna de Ricardo Noblat, em 24 de junho de 2012
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