Acredito que a sociedade evoluirá mais rapidamente e que ela pressionará para que haja a mudança. Afinal, a história sempre nos mostrou isso... Minha esperança é que o tempo seja solidário conosco... Porque se formos esperar por uma mudança nos interesses econômicos, onde a economia de baixo carbono impere em detrimento do atual mercado capitalista e consumista que vivemos, talvez já seja tarde... Mesmo assim, creio na mudança do ser humano e, mesmo que seja no último momento, por necessidade e por falta de alternativa, a grande mudança de paradigma irá acontecer, e finalmente o mundo se moverá...
Gostaria de dizer que tenho uma profunda admiração pelos quatro autores dos quatro artigos em questão: Celso Sánchez, Roosevelt Fernandes, Míriam Leitão e André Trigueiro. Vocês me inspiram, me emocionam e me dão força para continuar! Obrigada!
Economia
verde e outras panaceias ou Rio, mas vim te ...[1]
Esse texto é dedicado à Professora Sandra Albernaz e ao Professor Carlos
Figueiredo
O caminho que me leva ao aterro do Flamengo, onde aconteceu a Cúpula dos
Povos, me obriga a cruzar com carros pretos, esfumaçados, de sirenes
cintilantes, adesivos VIP, indo em direção ao Rio Centro onde acontece a
Conferencia das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, reunião chapa
branca, aonde só entra quem tem CPF em dia e foto recente.
Caminho cruzando uma pista de alta velocidade que devorou mais vítimas
essa semana. http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/noticias/mulher-morre-atropelada-no-aterro-do-flamengo-20120621.html. Ao caminhar vou devagar e divagando
se há uma luta de classes entre motoristas e pedestres. Fica claro que não há
espaço para outros ritmos, a cidade impõe o seu, vorazmente. Já vejo tendas
brancas e outras coloridas brotarem como flores redondas, capítulos entre as árvores
do jardim de Burle Max. A cada passo naquela direção, mais distante vai ficando
meu horizonte, como dizia Galeano:
"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois
passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez
passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar".
Aterrizo lentamente no aterro, lembrando que piso no antigo morro de
Santo Antônio, usado como adubo nesse lindo jardim. Piso onde havia um mar.
Imagino suas praias com seus índios nus, esquecidos e afogados em um rio de
janeiro que já foi de suas canoas de tronco só e de cuja a herança, nos restam
apenas poucas memórias em nomes de ruas, sobrenomes e objetos de museus.
Começo essa caminhada na forma de texto, em
homenagem ao professor Carlos Figueiredo do IBIO da UNIRIO que nos estimula a
pensar e a professora Sandra Albernaz querida colega da Escola de Educação da
UNIRIO, que me pediu para escrever algo sobre o que é essa tal “economia verde”.
De pronto, começo a achar que a grafia mais correta talvez seja “green economy”.
Prefiro escrevê-la em inglês, no idioma do império e dos neocolonizadores, o
idioma da ONU para a Conferencia Oficial, pois é nessa língua que ela faz
sentido e tem as suas ressonâncias em nossas vidas cotidianas e astuciosas[2].
É interessante notar a imensa dificuldade de traduzir essa ideia em
especial para os povos originários. Esses dias me esforcei para explicar, na Cúpula
dos Povos, no aterro, para meus amigos Guarani o que era a tal “green economy”.
“Ao que parece essa discussão é muito mais pintada de verde do que “verde” de
fato”, dizia um deles ao final de nosso papo, enquanto eu apertava sua mão como
sinal de concordância e afinidade.
A base da green economy é o velho capitalismo,
podre e moribundo. Prefiro continuar em inglês para não poluir o nosso português,
uma língua parangoleica[3]que (ainda) nos pertence
e nos une.
Tentei, mas descobri
em meu pouco guarani, que não havia como traduzir a ideia de green economy. A
dificuldade orbitava na ideia mesma de economia. Entre os povos originários faz
mais sentido falar em eco-logia que em eco-nomia. Isso porque o prefixo “eco”
que vem do grego oikos, quer dizer “casa” e nomia quer dizer
administração, gerenciamento, daí economia: administração da casa. Entre os
meus Guarani, assim como entre nós biólogos, é meio difícil, talvez impossível,
pensar numa economia sem ecologia, já que “logia”, do grego, “logos”, quer
dizer, estudo, saber. A pergunta é então: como administrar a casa sem
conhece-la antes?
Este é o equívoco central, fundante e essencial da green economy. Em
linhas gerais, ela não fala da vida, nem da casa, só remaneja o velho
paradigma. Mas para entendê-la e fundamentar nossa crítica, vamos analisar sua
ideia central, esta se baseia na inserção e criação de critérios verdes para a
economia como um todo, como por exemplo, levar em consideração o ciclo de vida
dos produtos, buscando o que eles chamam de produção mais limpa, que significa
redução da poluição na fonte da geração dos produtos, estratégias de mecanismos
de desenvolvimento limpo ou MDLs, uma economia que pense a redução do desperdício
e do reaproveitamento, reciclagem e redução de materiais da produção ao
descarte. São os famosos 3 Rs (reduzir, reutilizar e reciclar) que já viraram 5
com recusar e repensar.
A proposta da green
economy é o estímulo à uma economia que faça a redução da pobreza e das
desigualdades sociais, através de empregos verdes e do tal desenvolvimento
sustentável e da propalada sustentabilidade, das empresas às pessoas e
governos, nessa ordem. Portanto, propõe-se promover o bem-estar e reduzir
desigualdades sociais ao mesmo tempo em que se faz a redução dos riscos
ambientais e da escassez ecológica. Para isso, há três pilares: ecoeficiência,
ou seja, uso eficiente de recursos naturais, economia de baixo-carbono, ou seja
, aquela que não emite ou reduz a emissão de gás carbônico e outros gases que
contribuem para o polêmico aquecimento global, e então, supostamente, não
influenciariam numa possível alteração climática, ao mesmo tempo em que ela
seria uma economia inclusiva: http://www.radarrio20.org.br/index.php?r=conteudo/view&id=12&idmenu=20
Lindo? Os movimentos sociais, organizados ou não, as redes , os
campesinos, o MST, o MAB, os índios, os migrantes climáticos, os povos
tradicionais, os sedentos do planeta, os excluídos, o seu Miguel de Paraty, Seu
Roque em Mamanguá, pescadores artesanais de Martim Sá, ribeirinhos do Amazonas,
os que tiveram que deixar seus modos de vida por causa do acidente do rio
Pomba, os pescadores de Sepetiba e da Baía de Guanabara, os trabalhadores de
Jiraui, os grupos agroecológicos, as ecovilas, alguns professores em greve e
outras eco vítimas, acham que a coisa pode não ser tão linda assim.
A discussão para esses grupos que fizeram coro na Cúpula dos Povos, é
que a tal green economy é só pintar de verde o velho capitalismo excludente,
patriarcal, racista, hipócrita, cruel, genocida e injusto de sempre. Para eles,
essa suposta nova forma de economia, estaria usando o discurso da
sustentabilidade como a velha estratégia antropofágica do capitalismo, ou seja,
usando a sua imensa habilidade de incorporar e ressignificar qualquer coisa que
se oponha a ele.
Desta forma, diretrizes ambientais, viram estratégias de marketing ecológico,
o famoso greenwashing, bem como diferencial competitivo para conquista de um
mercado de consumo cada vez mais “consciente”. O mercado consumidor se
transforma num passe de mágica, em mercado verde, transformando compras
governamentais, de empresas e de pessoas, em compras verdes e conscientes,http://cio.uol.com.br/tecnologia/2010/04/23/sustentabilidade-governo-lanca-portal-para-compras-verdes/. Ou seja, aquelas comprinhas feitas com “critérios
ambientais”, do tipo: “leve esse camisa de algodão mestiço, rústico e azul,
feita por mulheres-monges canhotas do alto solimões e do Tibet sagrado,
costuradas pelas mãos sagradas do fogo sagrado dos povos do alto himalaia
esquerdo, três é 10 real! Pode pagar com visa, a gente parcela” e coisas do
tipo!
A incorporação do discurso ambientalista pelo “setor
produtivo”, pelo capitalismo em processo de falência, cria estratégias de alianças
público-privadas entre governos e empresas de eco-fachadas, tenta flexibilizar
leis ambientais, financia a campanha de deputados e senadores para isso. Neste
ponto, gostaria de dizer que venho estudando o financiamento de campanha da
chamada "bancada ambientalista" no parlamento brasileiro e está
ficando claro como as empresas transnacionais, símbolo de nosso modelo, mais
interessados e “líderes” do discurso da green economy, entram no jogo político
"democrático". Elas financiam, sistematicamente, as campanhas de deputados
e senadores (desde o início da carreira pública deles) e quando eles chegam lá,
esses filhos da puta, ocupam cargos estratégicos nas comissões de
meio ambiente tanto no senado quanto na câmara. Por isso conseguiram aprovar as
vergonhosas, vexatórias e espúrias alterações no código florestal,
aprovar Belo Monte e outros, mesmo com a sociedade , a Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência , Academia Brasileira de Ciências, entre
outros segmentos sendo contrários[4].
O discurso da green economy fala em reciclagem e numa economia baseada
na redução do desperdício que pensa os ciclos de vida dos produtos, e não no
ciclo de vida das pessoas, como se os produtos tivessem vida e não consumissem
a vida. Dessa forma, justifica-se manter milhares de catadores como catadores
de lixo sem direito à mobilidade social. É uma economia que ao pensar no valor
da natureza, quantificando seus custos e serviços ambientais, dialeticamente
gera a precificação e a mercantilização da vida.
Vejamos os três pilares da economia verde: ecoeficiência,
economia de baixo carbono e inclusão social, vamos fazer uma leitura crítica
sobre os mesmos. Em primeiro lugar, a chamada ecoeficiência, como o nome
sugere, trata-se de um fruto do pensamento neoliberal que quer medir a
produtividade e a eficácia dos processos ambientais, nesse sentido, a natureza
sempre perde, pois ela tem um tempo outro, um tempo próprio, nada eficiente
diante dos desafios do mercado, por isso a necessidade da intervenção humana. É
uma lógica coerentemente perversa. Que fez por exemplo, enquanto se negociava
um acordo pífio na Rio+20, mudando uma vírgula aqui e um ponto parágrafo ali, a
ambientalista Dilma doava 20 bilhões do seu , do meu, do nosso din din para
salvar os bancos europeus, é a chamada "solidariedade dos emergentes"
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/06/120619_g20_encerra_pu_ac.shtml
E mais 20 bilhões
para a "infraestrutura nos estado" *(tipo assim, arco metropolitano
que ia extinguir uma espécie de anfíbio) http://www.portogente.com.br/texto.php?cod=66678. Pergunto, porque não nos deu o aumento?
É importante lembrar também, que se ser ecoeficiente é reduzir problemas
ambientais, podemos dizer: “Houston,temos um problema!” a Petrobras,
a Vale. A Bunge, A MONSANTO e outras transnacionais altamente degradadoras e
poluidoras têm todos os selos e prêmios de ecoeficiência.
O outro problema é concentrar os esforços em torno
do gás carbônico e do discurso das mudanças climáticas. Tem gente que acredita
nisso e tem gente que não, o problema para mim é, como nos falava Edgar Morin
na Cúpula dos Povos, o risco da cegueira da hiperespecialização, olhamos para a
molécula de CO2 e não para os conflitos e injustiças
ambientais. Nesse sentido, ao reduzirmos cartesianamente a questão, não
conseguimos contribuir em quase nada para mudanças sociais de fato. Como, por
exemplo, a valorização verdadeira dos índios. Neste momento, enquanto escrevo
essas linhas sentado numa confortável poltrona, a situação dos mortais é a
seguinte: campesinos hondurenhos estão sendo mortos por conflitos no campo,
pessoas estão sobre escolta policial no programa de proteção a testemunhas por
conflitos e injustiças socioambientais na Amazônia, trabalhadores e
moradores dos arredores de Jirau, estão sendo criminalizados, removidos e
assassinados, torturados, desaparecidos, o presidente paraguaio que representa uma
alternativa a uma ditadura de 70 anos sofre um golpe.[5].
E por fim, seu último pilar a ideia de inclusão social. Gosto de lembrar
de Enrique Dussel, filósofo argentino, que nos diz que não se trata de incluir
os excluídos, se trata de transformar a sociedade.
Mas, como eu acredito num mundo afetuoso e que só o amor constrói, o que
vejo de alternativa é apontar para outros pilares, os pilares que a Cúpula Dos
Povos apontou, ou seja por uma economia solidaria, baseada na justiça
socioambietal, contra a mercantilização da vida e pela defesa dos bens comuns.
Nesse sentido, este é o momento de radicalização do
pensamento ambientalista, como nos diz Agripa[6]. Radical do latim radis, quer dizer raiz,
então radicalizar quer dizer ir até a raiz de algo, neste caso a raiz do
problema é o sistema capitalista, neoliberal, do estado mínimo, da flexibilização
das leis, da gestão, do produtivismo e da produtividade, da precarização do
trabalho e do trabalhador, que mercantiliza a vida, polui, privatiza a semente
, o genoma, a água e nos envenena, consumindo e privando-nos da natureza,
gerando exclusão, miséria, luta no campo, conflitos e injustiças
socioambientais, destruição ambiental, perda da bio e sociodiversidade e
diretores de polos da Ead. Tudo isso sob o aval dos selos ambientais, das
certificações, normas iso isso, iso aquilo, do greenwashing, que dá prêmios
de meio ambiente e outras panaceias da ecopalhaçada da green
economy, que nada mais é do que o velho modelo fantasiado de verde, com
"políticas pra inglês ver", com uma lógica interna que incorpora o
discurso ambiental em "práticas de sustentabilidade", que pinta o
telhado de verde e manda mijar no banho para sanar a culpa judaico-cristã
dos nossos "empresários conscientes".
Enfim, precisamos mudar o sistema, mudar o modelo, tornando-o capaz de
olhar para quem precisa ser visto. Isto, chama-se REVOLUÇÃO. Assusta?
Como dizia Guimarães Rosa: "carece de ter coragem"! E ela já está
acontecendo. Esse modelo já era! Veja o que está acontecendo na praça Tahir, em
Quebec, na Síria e em várias partes do mundo.
Eu continuo apostando no diálogo, na construção de uma agenda comum, mas
sobretudo, na visibilização dos vulneráveis, dos esquecidos, na visibilização
de suas lutas. Precisamos nos unir a elas, pensar numa agenda de pesquisa que
nos aproxime dos movimentos sociais e das pessoas. Que nos aproximemos em
particular dos índios, a quem tanto devo por tudo que me ensinam.
Aprendi, seguramente, muito mais com meus Tudjá Kuery (os mais velhos)
que com minha formação acadêmica formal. Vou terminar repetindo o que falei
esses dias no Rio Centro:
Eju Py Nhande Apy Nhanderu, Nhande a´e ma xereterã
kuery, eju py nhande apy yvymarane´y, Eju Py nhande apy yy porã!.
Havete í ité, epytã nhanderu reve! (Que Deus esteja
conosco, que nos traga a terra sem males e a agua boa, muito obrigado!)
[1] Este título me foi dado por um guardador de carros, o famoso “flanelinha”,
na rua Silveira Martins no Catete, embora eu tenha a maior antipátia dessa
turma, devo admitir: vox populi, vox dei!
[2] No sentido de Certeau,que nos diz que entre
estratégias e táticas vamos criando nossa vida cotidiana e astuciosa, em suas
palavras: “ Il est toujous bon de se rappeler qu’il ne faut pas prendre
les gens
pour des idiots.” (Sempre é bom lembrar que não se deve ter as pessoas por idiotas.
Tradução deste idiota) CERTEAU, Michel d L’invention du quotidien, t. I: arts
de faire. Paris, Gallimard, 1990.
- Ressalva: Prof. Alberto Roiphe, me perdoe por essa e outras
blasfemias! Lembre-se das palavras de Jesus:”Perdoe-os, eles não sabem o que
dizem” .. nem o que escrevem, aliás ele (eu) não sabe (sei) escrever!
http://www.folhabv.com.br/Noticia_Impressa.php?id=107951
http://desacato.info/2010/12/ataque-militar-contra-campesinos-hondurenhos/
http://racismoambiental.net.br/2011/12/camponeses-ameacados-de-morte-no-amazonas-perderao-protecao-da-forca-nacional/
http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI5853788-EI294,00-OEA+expressa+preocupacao+e+pede+devido+processo+no+julgamento+de+Lugo.html
[6] ALEXANDRE, Agripa Faria. A perda de Radicalidade do Movimento
Ambientalista Brasileiro. Uma contribuição à critica do movimento. Blumenau
Florianópolis:Edifurb.Editora da UFSC.2000.p.23.
Celso Sánchez é biólogo, Mestre em Psicossociologia de Comunidades e
Ecologia Social pela UFRJ e Doutor em Educação Brasileira pela PUC-RJ.
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