sábado, 7 de julho de 2012

Gratidão à Rio 92


20 anos separam os dois crachás acima. O da esquerda autorizava um jovem repórter da Rádio Jornal do Brasil/AM a cobrir a Rio-92. O da direita foi obtido dias atrás para que o mesmo repórter pudesse cobrir a Rio+20 pela TV Globo. Que o leitor não se engane : a metamorfose mais impressionante não foi de ordem física (o tempo é implacável com a gente, não é mesmo?). A Conferência Internacional da ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente marcou de maneira ostensiva as disposições que passaram a reger o meu destino pessoal e profissional nas últimas duas décadas.
À época da Rio-92 eu tinha 26 anos, alguma afinidade com os assuntos ambientais, e uma perplexidade – compartilhada com todos os demais colegas jornalistas que participaram daquela cobertura – com o gigantismo e a variedade de assuntos “complexos” daquela conferência. A ignorância dos jornalistas sobre os temas do encontro era tão evidente que a maioria das redações contratou especialistas para atuarem como consultores, articulistas ou comentaristas. Precisávamos assimilar os jargões, reconhecer o que de relevante havia nos temas da conferência e entender por que o Rio de Janeiro de repente havia se transformado no lugar mais importante do mundo.
Para os padrões de hoje, a logística de cobertura naquele período é digna de piedade. Lembro-me dos poucos privilegiados que circulavam pela cidade com telefones portáteis gigantes chamados de “celulares”. Quem como eu trabalhava em rádio corria para o carro de reportagem para passar os flashes com a ajuda de um equipamento motorola acoplado ao veículo com uma poderosa antena. Se o carro não estivesse disponível, o jeito era apelar para os “orelhões”. Caiu a ficha?  Por favor, não ouse falar de internet. Outro privilégio reservado a um número ainda mais reduzido de pessoas. A informação seguia num ritmo muito menos alucinante do que hoje.
Passei a maior parte do tempo cobrindo o Fórum Global, o encontro das Ongs no Aterro do Flamengo. Foi uma experiência marcante. Não poderia supor que representantes da sociedade civil de várias partes do mundo pudessem produzir diagnósticos e construir propostas com tanta competência. Não percebia ser possível alcançar tamanho nível de engajamento na área ambiental mesmo sem ser um ecologista. Não imaginava que este gênero de assunto pudesse perpassar indistintamente todas as áreas do saber e do conhecimento (transversalidade), do engenheiro ao teólogo, do economista ao advogado, do arquiteto a dona de casa. Por fim, não fazia a menor ideia de que a nossa geração estava testemunhando a maior crise ambiental da História de toda a Humanidade ,e que isso deveria inspirar – por razões óbvias  – nosso senso de urgência.
Foram 45 “tratados” ( propostas) que orientaram boa parte do movimento social e político espalhado pelo planeta. Recém saído da ditadura, o Brasil de então estranhava aquele formigueiro humano multiétnico e engajado em favor de um novo modelo de desenvolvimento mais justo, inclusivo e sustentável.
Em mais de uma entrevista que fiz com o então Secretário Nacional de Meio Ambiente, José Goldemberg (cargo que equivaleria hoje a ministro de estado) ele revelou como as delegações dos países reunidas no Riocentro desejavam saber detalhes do que estava acontecendo no Aterro do Flamengo. Era algo novo até para eles. Na verdade, tudo o que estava acontecendo no Rio naqueles dias de junho era inédito. O maior encontro já realizado na História até então demarcou o início das negociações do clima e da biodiversidade, a popularização da expressão “desenvolvimento sustentável” e um jeito diferente de enxergar o mundo, já não tão extenso e resiliente, mais frágil e vulnerável à nossa presença.
Guardar o crachá da Rio-92 até hoje revela meu desejo de eternizar a lembrança de um período fecudante de ideias e propósitos existenciais. 20 anos depois, olho para trás e vejo que boa parte de minhas atividades profissionais e pessoais trazem a marca daquela cobertura. Como costuma dizer um dos mais brilhantes  jornalistas do Brasil, pioneiro na abordagem dos assuntos ambientais na grande imprensa, Washington Novaes : “Acho que a questão ambiental é ameaçadora para os jornalistas que têm uma vida pessoal muito pouco adequada em termos ambientais”. A afirmação de Washington vale para qualquer pessoa, em qualquer segmento profissional.  Simplesmente não é possível aprofundar conhecimentos nessa área sem realizar transformações importantes nos próprios hábitos,comportamentos, estilo de vida e padrão de consumo.
Não foi só o rosto do crachá. Muita coisa mudou em 20 anos.

Por André Trigueiro - Fonte: G1 - Mundo Sustentável - Rio+20, em 14 de junho de 2012

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